terça-feira, 30 de junho de 2015

Máscaras



Máscaras




Sempre que coloco uma máscara para encobrir minha realidade

Fingindo ser o que não sou, fingindo não ser o que sou

Faço-o para atrair as pessoas

Mas logo descubro que somente atraio outros mascarados


Afastando as pessoas devido a um estorvo: a máscara

Faço-o para evitar que os outros vejam minhas fraquezas

Mas logo descubro que por não verem a minha humanidade



As pessoas não podem me amar pelo que sou e sim pela máscara
Faço-o para preservar minhas amizades

Mas logo descubro que quando perco um amigo, por ter sido autêntico

Ele realmente não era amigo meu, e sim amigo da máscara

Faço-o para evitar magoar alguém e por diplomacia

Mas logo descubro que é a máscara

O que mais magoa as pessoas de quem quero me aproximar
Faço-o com a certeza de que é o melhor que tenho a fazer para ser amado
O que mais desejo conseguir com minhas máscaras


É precisamente o que com elas eu impeço que aconteça.

(autor desconhecido)

sexta-feira, 26 de junho de 2015

A moça tecelã




A Moça Tecelã

Por Marina Colasanti

           Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear. 
          Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.
          Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
          Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
          Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
          Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.
          Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
          Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.
          Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.
          Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.
          Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
          E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.
          Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.
          Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
          Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
          E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.
          Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
          Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
          A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
         Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.


quinta-feira, 25 de junho de 2015

A ânima

 

 

 
 
A palavra ÂNIMA vem do latim ANIMUS, que significa ALMA, CORAGEM, DESEJO. Ela é também derivada do indo-europeu ANE-, que significa “respirar”.
 
Outros derivados são “ANIMAR”, “ANIMADO”, “ANIMAÇÃO”.
 
Poucas são as pessoas que conseguem atingir um conhecimento de si a ponto de reconhecer os desejos da sua ÂNIMA.
 
Os desejos são da ordem do inconsciente, mas para acessá-los podemos usar o corpo nos perguntando:
- O que nos faz sentir bem?
- O que nos anima?
Ou ainda : - O que nos deixa desanimados?

Quando a alma (ânima) pode expressar-se, surge com ela a coragem e pode-se encontrar o seu sentido na vida. Mas quando a “ânima” (ou alma) está aprisionada, surge o desânimo.
 
É preciso descobrir o que aprisiona a alma, e encontrar o caminho do próprio desejo.
 
  O que te anima?
 
 

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Nó na ponta do lençol...




       Antes de poder estar sozinha, antes do puro negativo da falta, que constrói, cria e dá vida, é preciso haver presença. Antes de prescindir da luz do abajur no quarto escuro, é necessário que a criança possa acender a luz da mãe dentro de si.
       Crianças e horários não combinam, e é por isso que no meio de todas as exigências do cotidiano, é preciso poder fazer-se presente.
É preciso saber inventar a presença na ausência. 
       Esta pequena história nos conta de uma pequena possibilidade de criar esse espaço de presença-ausência.
O nó do Afeto

       Em uma reunião de pais, numa escola da periferia, a diretora ressaltava o apoio que os pais devem dar aos filhos. Pedia-lhes, também, que se fizessem presentes o máximo de tempo possível.
       Ela entendia que, embora a maioria dos pais e mães daquela comunidade trabalhasse fora, deveriam achar um tempinho para se dedicar a entender as crianças.

       Mas a diretora ficou muito surpresa quando um pai se levantou a explicou, com seu jeito humilde, que ele não tinha tempo de falar com o filho, nem de vê-lo durante a semana.

       Quando ele saía para trabalhar, era muito cedo e o filho ainda estava dormindo. Quando ele voltava do serviço era muito tarde e o garoto não estava mais acordado.

       Explicou, ainda, que tinha de trabalhar assim para prover o sustento da família. Mas ele contou também que isso o deixava angustiado. Não tinha tempo para o filho e tentava se redimir indo beijá-lo todas as noites quando chegava em casa.

       E, para que o filho soubesse da sua presença, ele dava um nó na ponta do lençol que o cobria.

       Isso acontecia, religiosamente, todas as noites quando ia beijá-lo. Quando o filho acordava e via o nó, sabia que o pai tinha estado ali e o havia beijado. O nó era o meio de comunicação entre eles.

       A diretora ficou emocionada com aquela história singela e emocionante. E ficou surpresa quando constatou que o filho desse pai era um dos melhores alunos da escola.

       O fato nos faz refletir sobre as muitas maneiras de um pai ou uma mãe se fazerem presentes, de se comunicarem com o filho.

       Aquele pai encontrou a sua, simples, mas eficiente. E o mais Importante é que o filho percebia, através do nó afetivo, o que o pai estava lhe dizendo.

       Por vezes, nos importamos tanto com a forma de dizer as coisas e esquecemos o principal, que é a comunicação através do sentimento. Simples gestos como um beijo a um nó na ponta do lençol, valiam, para aquele filho, muito mais que presentes ou desculpas vazias.

       É válido que nos preocupemos com nossos filhos, mas é importante que eles saibam, que eles sintam isso. Para que haja a comunicação, é preciso que os filhos ouçam a linguagem do nosso coração, pois em matéria de afeto, os sentimentos sempre falam mais alto que as palavras.

       É por essa razão que um beijo, revestido do mais puro afeto, cura a dor de cabeça, o arranhão no joelho, o ciúme do bebê que roubou o colo, o medo do escuro. A criança pode não entender o significado de muitas palavras, mas sabe registrar um gesto de amor. Mesmo que esse gesto seja apenas um nó. Um nó cheio de afeto e carinho.
Autor desconhecido.